quinta-feira, 8 de outubro de 2020

Os deuses que há


Edward Hopper - Night shadow

Os deuses, no céu ou na penumbra, brindam-nos frequentemente com a sua eterna ingratidão. Deleitam-se com a obra das nossas vidas e não pagam nada por isso. Mas, por alguma razão, o cenário é sempre perfeito. Na relatividade das coisas, as vaidades desajeitadas, as desproporções físicas, a falta de agilidade, o descuido involuntário, a timidez, a solidão, uma rosácea, as cicatrizes, a calvície, a falta de atrevimento, uma sombra... tornam os seres desinteressantes e, por demais, misteriosos e atraentes. Quando nos debruçamos sobre eles, assim de mansinho, sem os assustar, quando ouvimos as sombras das suas dúvidas, a luz das suas vozes, longe de qualquer caminho, entendemos de uma forma muito justa que a beleza é um preconceito infantil. Há, escondidas nessas pessoas, a consistência do vasto e escuro universo, a fasquia das intocáveis estrelas e a possibilidade legítima de um horóscopo da vida e do amor